Este humilde site recebeu sua primeira encomenda: por que não escrever sobre Fernando Sabino? É uma excelente ideia. Apesar de ainda sermos pequenos, vamos aproveitar a oportunidade para apresentar esse grande escritor nascido em Belo Horizonte, em 1923, a uma nova geração de leitores. E claro, esta é a chance de trazer à tona excelentes recordações pra quem já o conhece. Basta ir até a estante, procurar suas antigas edições, tirar um pouco de poeira e a magia ainda estará toda lá.
Acima de tudo um grande ser humano, Sabino foi também um romancista, contista e um mestre da crônica. O lado curioso é que nem sempre a crônica é escrita para ficar. Ela pode ser um mero registro de um momento e nada mais. Seu conteúdo pode ficar “datado” e perder seu encanto com o passar dos anos (ou décadas). No entanto, esse não é o caso do trabalho deste autor que já ganhava dinheiro vencendo concursos literários ainda adolescente.
fonte: Wikimedia Commons
Por que falar deste autor em 2024? Primeiramente, temos que ressaltar que seu trabalho abre uma verdadeira janela para a alma brasileira, revelando as sutilezas e as complexidades de nossa cultura e identidade.
Suas crônicas capturam as experiências cotidianas com uma sensibilidade única, permitindo que os leitores se conectem a emoções e reflexões que são genuinamente nossas.
Neste post nós vamos, acima de tudo, entender a importância de Sabino, conhecer o que define o gênero literário da crônica e de quebra ainda ter uma participação especial de Clarice Lispector! E aí, se animou? Então, vem! 🤓
O que são crônicas?
Antes de mais nada, é importante lembrar que as crônicas são textos literários curtos e versáteis, que abordam temas do cotidiano e retratam a realidade de forma sensível e reflexiva. Diferentemente dos contos ou romances, as crônicas se concentram em situações do dia a dia, capturando pequenos momentos e emoções que poderiam passar despercebidos não fosse o olhar aguçado do escritor.
Quem foi Fernando Sabino?
Nascido em Minas Gerais, Fernando Sabino na juventude pensou em seguir carreira ligada ao Direito, faculdade em que ingressou no ano de 1940. A veia literária e as amizades cultas, porém, o levaram a outros rumos. Seu amigo, o interessantíssimo escritor Murilo Rubião (1916-1991) cuja literatura fantástica delirante merece um post à parte, intermediou sua contratação como redator da Folha de Minas.
O primeiro livro de contos de Sabino, chamado “Os grilos não cantam mais”, foi publicado no Rio de Janeiro, em 1941.
Um feito de prestígio para qualquer um, porém ainda mais glorioso para um rapaz que à época tinha apenas 18 anos. 😱 Além disso, parte da obra foi escrita quando Sabino tinha quatorze anos.
Seu amor pela literatura acabou por levá-lo a formar um grupo com os escritores Hélio Pellegrino (1924-1988), Otto Lara Resende (1922-1992) e Paulo Mendes Campos (1922-1991), os “Vintanistas”, assim chamados porque todos tinham cerca de vinte anos.
Seu livro de estreia tinha tamanha qualidade que o autor começou a trocar correspondências com o escritor paulista Mário de Andrade(1893-1945). Em outras palavras, a notícia de que havia um novo talento literário no país correu rapidamente.
Fernando Sabino pelo mundo
Além disso, o escritor teve o privilégio de viajar com o poeta Vinicius de Moraes (1913-1980) em 1946 para os Estados Unidos. Lá chegando, Sabino morou por dois anos em Nova Iorque, onde trabalhava no consulado do Brasil.
Sua primeira coletânea de crônicas foi “A cidade vazia”, de 1950, reunindo material publicado nos jornais Diário Carioca e O Jornal.
Em 1964, quando se mudou para Londres, Fernando Sabino passou a exercer a função de adido cultural junta à embaixada brasileira. Além disso, foi correspondente do Jornal do Brasil, colaborou na BBC e escreveu para as revistas Manchete e Claudia.
É importante frisar que não foi apenas a localização física do escritor que mudou. Quando chegou à Europa, ele já havia publicado “O encontro marcado”, uma de suas obras mais relevantes, em 1956.
E quando publicou “O homem nu”, em 1960, foi pela Editora do Autor, que era dele próprio, em sociedade com Rubem Braga (outro cronista excepcional) e Walter Acosta.
Além disso, seu livro “A mulher do vizinho” (1962) havia sido premiado pelo Pen Club do Brasil. Em suma, se a escrita pode ser comparada a algum tipo de “bruxaria”, como fez o escritor Otto Lara Resende ao falar de Clarice Lispector, o mago Sabino estava no auge de seus poderes.
O estilo inigualável das crônicas de Fernando Sabino
Antes de tudo, sabemos que é sempre perigoso rotular arte e artistas, mas, para efeito didático, o escritor Fernando Sabino costuma ser “encaixado” na terceira fase modernista (que alguns acadêmicos já chamariam de pós-modernismo – enfim, que bom que este site não tem pretensões acadêmicas, pois esse é o tipo de tema que costuma dar “pano pra manga” 😂).
A obra do escritor aborda frequentemente questionamentos existenciais e revela algum monólogo interior. Já o “lado de fora” do ser humano, no caso, o contexto urbano, também é retratado, geralmente com uma dosagem bem equilibrada entre lirismo, bom humor e resignação diante do absurdo. Confira em seguida outras características fundamentais:
- Primeiramente, o escritor era adepto de uma linguagem simples e direta, próxima da fala cotidiana. Por isso suas crônicas eram fáceis de entender e agradáveis de ler.
- Como um mestre da escrita que era, Sabino dominava também o humor e a ironia, como explicitados em seu romance “O grande mentecapto” (prêmio Jabuti de 1979).
- Sabino sempre reparava nos pormenores do cotidiano e nas nuances da vida, tendo a habilidade extraordinária de transformar situações simples em histórias cativantes.
- Seus personagens eram pessoas comuns, com suas alegrias, tristezas e contradições. Longe de adotar um ponto de vista distanciado, ao contrário, o escritor demonstrava grande empatia por seus personagens. O resultado é que o leitor se identificava com eles.
- Em seguida, a jogada de mestre: conciliar a brevidade e a concisão com a profundidade. Mesmo nas suas mais curtas e objetivas narrativas, Sabino jamais perdia a substância. Esse é um valor literário mais subjetivo, talvez impossível de definir, porém é exatamente esse valor intrínseco que o colocava na categoria de grande cronista.
- E por fim, a escolha de temas universais, ou seja, aquelas experiências que todo ser humano encara de um jeito ou de outro. Amor, amizade, família, morte, separação e a passagem do tempo são alguns desses temas. Por isso e por todas as demais qualidades apontadas, suas crônicas são atemporais.
Alguns dos nossos livros favoritos
Agora, se você deseja descobrir (ou redescobrir) as crônicas de Fernando Sabino, alguns dos nosso livros preferidos dele estão abaixo. Todos igualmente maravilhosos:
“O Homem Nu”
Livro que reúne quarenta crônicas e alguns contos breves do escriba mineiro. O ponto forte são as reflexões sobre o cotidiano, mas, no caso da crônica que dá título à obra, a situação é interessante justamente por sair da normalidade do dia a dia.
Ou seja, o que começa como uma cena banal, um homem indo pegar pão em frente ao seu apartamento, de repente se torna um pesadelo para o protagonista e uma diversão para o leitor. A porta bateu e ele ficou do lado de fora, sem roupa. E agora?
“No fim dá certo”
Estas crônicas misturam o divertido e o ranzinza, num equilíbrio inegavelmente perfeito. Os textos tratam de pequenas alegrias e irritações do dia a dia, como em um álbum de recortes.
Certamente um verdadeiro convite à reflexão sobre as coisas simples da vida, com pitadas de humor e nostalgia. O autor relembra presentes inesquecíveis, como o doce de coco de Maria Amélia, e compartilha suas listas de coisas que ama e odeia, desde o prazer de ler clássicos até a irritação com compromissos marcados com antecedência.
Por fim, com leveza e ironia, Sabino celebra a vida e nos convida a apreciar os pequenos momentos de felicidade. Detalhe: dona Maria Amélia era mãe de ninguém menos que Chico Buarque.
“As melhores crônicas de Fernando Sabino”
Bem, essa dica certamente seria óbvia não fosse o fato de terem sido escolhidas pelo próprio autor. Ou seja, você leva 50 crônicas magistrais e ainda tem uma visão privilegiada da autoavaliação de um grande escritor. Uma oportunidade rara e fascinante.
BÔNUS:
Clarice Lispector e Fernando Sabino
Que Clarice Lispector (1920-1977) tinha certa aura de mistério não é novidade para ninguém. A autora não gostava de dar entrevistas e, quando as concedia, parecia obscurecer mais do que esclarecer quem era a pessoa por trás daquela escrita genial.
O que talvez seja uma informação nova para alguns é que ela e Fernando Sabino (1923-2004) se corresponderam entre 1946 e 1969. Isso mesmo. Em outras palavras, foi durante aquele bom e velho período ANTERIOR ao e-mail, que muitos nem sequer conheceram.
Só quem é um pouco mais “vintage” (não vamos dizer “velho” para não ofender a sensibilidade de ninguém) sabe como era escrever com a própria caneta uma mensagem para um amigo, parente, namorado(a), etc., colocar em envelope de papel, colar os selos, confiar a preciosa mensagem a uma agência dos Correios e depois esperar, esperar, esperar por uma resposta, imaginando mil possibilidades do que o outro ia dizer.
Clarice e Fernando souberam o que era isso.
E essa amizade entre dois grandes escritores brasileiros pode ser acompanhada no emocionante livro “Cartas perto do coração”. A obra revela, acima de tudo, uma belíssima ligação afetiva entre duas pessoas de sensibilidade extraordinária.
Com dedicatória
Aos vinte anos de idade, Sabino recebeu o livro de estreia de Lispector, “Perto do coração selvagem”(1943) e em seguida publicou uma resenha elogiosa. Ele ainda estava em Belo Horizonte e eles não se conheciam pessoalmente.
Já a escritora residia na Itália. Só foram apresentados um ao outro por Rubem Braga (1913-1990), outro mestre da crônica, quando ela voltou ao nosso país. Em suma, a autora e o jovem escritor ficaram amigos, mas a vida os levou novamente para rumos geograficamente afastados, enquanto a aproximação afetiva aumentava. Clarice era casada com um diplomata e foi morar em Berna, na Suíça e em Washington, nos EUA, país onde, aliás, Sabino também esteve, mas vivendo em Nova Iorque.
É interessante notar que a diferença de idade entre os dois em nada afetou a afinidade. Ambos eram iniciantes, ela havia estreado aos 23 anos e ele aos 17.
Um fato curioso nas cartas é que na pacata Berna a ucraniana criada em Recife diz que tem saudades da “bagunça” do Rio de Janeiro, onde viveu por muitos anos. Além disso, diz que a cidade suíça é habitada por “gente neutra”. E numa frase que só poderia mesmo vir da mente de Clarice Lispector, arremata:
“Falta um demônio na cidade”.
Vulnerável, Lispector desabafa com o amigo. E assim temos um vislumbre raro dos sentimentos íntimos de uma das figuras mais enigmáticas da literatura brasileira. Ela conta que passa os dias procurando enganar a própria angústia.
Há também trechos paradoxais; o paradoxo interior talvez seja indissociável de qualquer grande escritor, daí a multidão de personagens e situações que ele é capaz de criar. É possível que a frase destacada abaixo corrobore essa hipótese:
“A solidão que sempre precisei me é, ao mesmo tempo, insuportável.”
Agora, imagine que VOCÊ é um escritor. Uma escritora, no caso. O que poderia te incomodar mais do que uma resenha negativa? Acertou quem respondeu
O SILÊNCIO DA CRÍTICA!!
Foi o que Clarice Lispector sentiu em relação ao seu segundo romance, “O lustre”, de 1946. Fernando Sabino foi habilidoso em tentar consolá-la, dizendo que falar em silêncio era “exagero”. Agora, estranha mesmo foi a reação de Oswald de Andrade (1890-1954), que chamou a obra de “aterrorizante”. Nesse sentido, talvez fosse melhor o silêncio.
Seguindo sua vida de nomadismo atrelada à do marido, Lispector acabou indo morar em Washington, cuja beleza ela registrou, mas com distanciamento. Para ela, lá também faltava a “bagunça” brasileira.
Novos ares, novos temas
A correspondência entre os dois talentos foi se modificando ao longo do tempo, algo que o leitor atento terá prazer em acompanhar. Nota-se que quando a amizade epistolar começou, as angústias ainda não eram bem definidas. Finalmente, o foco passa a ser suas próprias obras.
Em conclusão, foi uma grande amizade que rendeu frutos não apenas afetivos, mas também profissionais. O romance “A paixão segundo G.H.” uma das obras-primas da autora, foi editada por Fernando Sabino em 1968.
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