Conto inédito de ZULI MENCORDAS: Patrícia caindo

Patrícia caindo

– Você precisa parar com essa fixação no seu pai, Patrícia.

– Eu sei.

– Ele não é a causa – muito menos a solução – de todos os seus problemas. 

– Eu sei.

– Se sabe, por que continua com essa… essa tara, fetiche, sei lá… por homens mais velhos?

– Figuras paternas?

– É. Figuras paternas. Ó, foi você quem falou, hein? O difícil vai ser achar alguém que queira ser o “pai” de uma mulher de 27 anos.

– Sabe de onde estou falando com você, Ju?

– Da sua casa? Quer dizer, do seu apartamento?

– Sim, mas de onde exatamente?

– Sei lá. Do seu quarto?

– Não. Da sacada. De onde o Thiago se jogou.

– Você é mórbida.

– Aham.

– E continua fumando, né?

– Sim. E jogando bitucas pela janela do décimo segundo andar. Lá vai uma. Caindo como o Thiago. 

– Mórbida. Louca. Por que será que ele quis.. Por que será.. O que leva uma pessoa…

– Nem comece. A resposta é impossível de achar e meu irmão não vai voltar.

– Isso dói até em mim. Imagina em você.

– Nada. A dor faz parte do ritual. 

– Ritual?

– Ao qual chamamos vida. “Cheia de som e fúria” e tal. Mas cheia de rotinas também. Os rituais do cotidiano. Sei lá. Sabe como esse novo cara me chama?

– O novo coroa que você fala via web?

– Sim.

– Como?

– De Patrícia caindo. Não é bem sacado? Sacado, sacada, tudo a mesma m*rda. 

– Patrícia caindo. Por causa do seu sobrenome, né? 

– É. 

– Sua família é alemã?

– Prussiana. Meu bisavô era. Sei lá. Parei de me importar com isso. Mamãe quando era viva é que gostava, tinha a árvore genealógica de cor, toda a família dos “caindo”.

– Pati, você me assusta. Você não vai…?

– Eu não. Mas não pense que não falei pro Thiago quando ele começou com essas ideias: “Mano, não seja burro. Dedique-se a coisas que possam ser aprimoradas com a prática. Você agora está virando um excelente ator. Prática! Isso que você pensa em fazer é um espetáculo só. E ninguém aplaude.”

– Tá certo. E ele?

– A resposta você já sabe. Agora isso que falei de “figura paterna”… sou uma ridícula mesmo. Sabe o que meu pai falou pro Thiago quando ele quis voltar pra terapia, aliás, caríssima?

– Não. O que ele disse?

– “Até quando você vai precisar de MULETAS pra viver a vida, Thiago?”

– Gente, que ignorância.

– E tem mais, Juliana: “Terapia? Terapia são duas b*las que o homem tem no s*co!”

– Credo. Que imbecil.

– Meu pai. Pra você ver como são as coisas. 

– E hoje, vai ter sessão de web cam com o homem mais velho?

– Esta noite, não. Ele disse que ia sair. Que vá para o diabo que o carregue!

– Já tá assim?

– Sim.

– O que rolou da última vez? Se não quiser, não precisa contar.

– Conto. Eu fui falando das coisas que me doem, dos projetos que larguei, da faculdade que não terminei, do emprego que abandonei, das pessoas que deixei pra trás… foi aí que ele veio com “Patrícia caindo”, mas é uma queda em câmera lenta, eterna e não tenho ou não sei como me segurar. As coisas que as pessoas fazem com facilidade, ou com dificuldade, sei lá, são impossíveis pra mim. Patrícia, para sempre caindo…

– Você estava bebendo?

– Estava e estou.

– Isso não ajuda.

– Anestésico, Juliana. Anestesia. 

– Que mais?

– Sei lá… foi um jogo bizarro, devo ter fumado uns dois maços de cigarro e bebido meia garrafa daquele whisky bom que sempre guardo, as lágrimas descendo e eu falando e ele ria, ria…

– O quê?!? Ria? E você se sujeitou a ISSO?

– Sim. Achei que era direito dele, se achava engraçado. Sei lá. Era melhor do que nada.

– Eu estou ficando seriamente preocupada com você. E no final, quando acabaram os cigarros, como terminou essa sessão de chat?

– Sei lá, eu tava tão mal e chorava tanto, uma hora senti que não podia mais suportar ver aquele cara na câmera, minha voz falou a si mesma sozinha, parecia vir de outra pessoa ou de um animal ferido de morte, gritei: “Chega!”

– E ele parou?

– Parou, mas abriu a porta aqui do meu quarto e disse: “Patrícia, cala a boca! Os vizinhos vão ouvir!”

– Quê!? O cara do vídeo entrou pela sua porta, a sua “figura paterna”?

– Idiota, burra, imbecil. Não percebe? Desta vez não era uma “figura paterna”. Era MEU PAI! 

E desatou de novo a chorar.

FIM

Conheça o trabalho do escritor ZULI MENCORDAS AQUI. 

IMPORTANTE: se você ou alguém que conhece está passando por esse tipo de situação, procure o Centro de Valorização da Vida imediatamente: https://cvv.org.br/ O atendimento é todo feito por voluntários.

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