A Estrada perdida de David Lynch

*O texto a seguir pode conter spoilers.

[Whatsapp – 19:32]
Zuli: Tá ocupado? Posso te ligar?

[Chamada – 19:33]

Araújo: Alô?

Zuli: Fala, mestre! Tudo certo?

Araújo (sorrindo): Zuli! Que surpresa boa. Tudo certo, e contigo?

Zuli: Tranquilo. Rapaz, percebi que faz tempo que a gente não conversa sobre cinema. Aí me peguei revendo Estrada Perdida, do Lynch

Araújo: Ah, o “Lost Highway”. Isso é mergulho profundo, hein?

Zuli: Exato. Um dos filmes mais desorientadores que já vi. Mas ao mesmo tempo… hipnótico. Como é que você descreveria aquele troço?

Araújo: Eu chamaria de um “thriller neo-noir alucinante”, uma espiral onde a identidade, a memória e a realidade se desmancham no ar. O Lynch faz disso um exercício de estilo e um ataque direto ao nosso desejo de coerência narrativa.

Zuli: Sim! O Fred Madison, o saxofonista… começa a receber aquelas fitas bizarras filmadas dentro da própria casa. E aí, de repente, tá preso, acusado de matar a mulher — e não lembra de nada.

E o mais louco: ele se transforma em outro cara, o Pete Dayton!

Araújo: E sem explicação racional. Essa transformação é o corte mais radical do filme. A narrativa se dobra sobre si mesma. E o Pete se envolve com a Alice, que é interpretada pela mesma Patricia Arquette — ou seja, é como se a Renée voltasse, com outro nome, outra energia, mas a mesma aparência.

Zuli: Isso me deixou pilhado. O filme parece dizer: “desista de entender logicamente”. Você acha que ele é sobre loucura?

Araújo: Pode ser um retrato da descida à loucura, sim.

Mas também pode ser lido como alegoria sobre culpa e negação, uma espécie de purgatório psíquico. Fred nega o crime, a traição, a própria identidade. Daí o colapso.

Zuli: E aquele Homem Misterioso? Assustador. Um personagem que parece arrancado de um pesadelo.

Araújo: A presença dele é quase sobrenatural.

Talvez ele encarne a culpa ou uma força punitiva que persegue o Fred. Um intermediário entre o real e o delírio. Lynch é mestre em criar figuras que mais sugerem do que explicam.

Zuli: E a trilha sonora, hein? Badalamenti, Bowie, Nine Inch Nails, até Rammstein… Ele te envolve com som, te afoga num clima.

Araújo: A trilha funciona como amplificação sensorial do que tá na tela. O design de som, os ruídos distorcidos, os silêncios pesados… tudo colabora pra criar uma atmosfera onírica, sufocante.

É Lynch sendo Lynch.

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Zuli: Eu fico me perguntando: ele quer que a gente entenda ou só que a gente sinta?

Araújo: Não é pra entender com lógica aristotélica. É pra vivenciar. Como ele mesmo disse uma vez:

“Eu não explico meus filmes. Cada um que sinta à sua maneira”.

Estrada perdida é um **labirinto psicológico**, um loop infernal que pode ser culpa, loucura, ou um ciclo metafísico de punição.

Zuli: E pensar que quando lançou, muita gente torceu o nariz. Hoje virou clássico cult.

Araújo: Merecidamente. É um ponto de virada na carreira do Lynch, entre Twin Peaks e Mulholland Drive. Ele não entrega respostas, mas propõe o jogo da dúvida. É cinema que não se resolve, só se experimenta.

Zuli: E aquela última imagem… aquela estrada escura, infinita… parece que o filme nunca termina, né?

Araújo: Porque o pesadelo é cíclico. A estrada é a mente dele. E o espectador fica ali, preso naquele loop — que é também o loop do desejo, da culpa, da negação. Uma estrutura de espelho.

Zuli: Isso me lembrou aquele termo francês… como é mesmo?

Araújo: Mise en abyme. A estrutura dentro da estrutura, o espelho dentro do espelho. Lynch é um mestre nisso.

Zuli: Olha… que papo. Sabe de uma? A gente precisa marcar isso ao vivo. Livros são o nosso abrigo, mas o cinema é o nosso delírio compartilhado.

Araújo: Combinadíssimo. Vamos tomar um café e revisitar mais dessas obras que ninguém entende — mas que todo mundo sente.

Zuli: Tá fechado. Um brinde mental ao David Lynch, então.

Araújo: Um brinde. E cuidado com os VHS em casa, hein?

Zuli (rindo): Se chegar alguma fita, te aviso na hora.

[Fim da chamada – 19:56]

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