Lolita, de Vladimir Nabokov

[Cenário: Um café tranquilo em uma rua arborizada do centro antigo. As árvores projetam sombras amenas nas mesas externas. Zuli Mencordas, 52 anos, escritor de contos do realismo ao fantástico, chega com seu inseparável caderno preto e caneta de tinta azul. Araújo, 65, professor aposentado de literatura, já está à mesa com seu chapéu de palha e um olhar vivo por trás dos óculos. É uma tarde de sábado. Eles marcaram para conversar sobre livros, como sempre fazem, mas hoje o tema é um só: Lolita, de Vladimir Nabokov.]

Araújo (levantando-se para cumprimentar):
Zuli, meu caro! Pontual como um soneto de Mallarmé.

Zuli (apertando a mão do professor com um sorriso):
E o senhor, como sempre, com um bom livro na cabeça. Hoje vim beber café e falar de uma obra que me tira o sono desde os vinte e poucos.

Araújo (sentando de novo, animado):
Ah, Lolita?

Zuli:
Ela mesma. Ou melhor, ele mesmo: Humbert Humbert, o narrador mais hipnótico e assustador que já li.

[O garçom se aproxima.]

Garçom:
Boa tarde, senhores. O de sempre?

Araújo:
Para mim, sim. Um cappuccino forte, sem açúcar.

Zuli:
E eu vou de espresso duplo, por favor. 

[O garçom se retira. O cheiro do café começa a se espalhar no ar. Zuli se inclina ligeiramente para frente, abrindo o caderno.]

Zuli:
Eu reli Lolita essa semana. É um dos romances mais brilhantes — e mais perturbadores — que já encontrei.

Um equilíbrio quase impossível entre o esteticamente deslumbrante e o eticamente insuportável.

Araújo (entusiasmado):
Ah, Nabokov era um trapezista da linguagem! Um verdadeiro equilibrista literário.

Ele seduz com palavras ao mesmo tempo em que nos expõe a um horror abissal.

O sujeito conseguiu transformar uma história de abuso numa crítica da própria forma de narrar — e isso sem nunca aliviar o peso do que está contando.

Zuli:
Exatamente. Humbert Humbert é erudito, sarcástico, elegante… e monstruoso. O charme dele é perigoso. A forma como ele manipula a linguagem é a mesma forma como manipula a garota. A mesma sedução.

Araújo (se aproximando da mesa, sorrindo):
E é aí que mora o gênio de Nabokov.

Ele não deixa o leitor confortável. Muito pelo contrário — nos torna cúmplices.

É como se ele dissesse: “Você está gostando, não está? Então pense bem por que está gostando disso.”

Zuli:
Tem uma hora que parece que ele quer que a gente esqueça que a tal “nymphet” tem apenas doze anos. Mas Nabokov, com aquela ironia cortante, nunca deixa isso escapar.

Ele faz questão de lembrar — o tempo todo — que há um crime em curso. Um roubo de infância.

[O garçom retorna com os cafés. Os dois agradecem com um gesto.]

Araújo (pegando a xícara com cuidado):
E tudo isso contado com uma prosa… inacreditável. Nabokov era um artesão obcecado.

Brincava com várias línguas ao mesmo tempo, escondia duplos sentidos, anagramas, jogos de espelhos.

Zuli:

É um romance multilíngue, de certa forma.

Russo de nascimento, inglês de adoção, francês por amor à arte. Humbert é europeu, cultíssimo, e usa esse verniz para dourar a lama moral em que está atolado.

Araújo:
E veja que há ainda uma crítica subterrânea à cultura americana. Toda aquela viagem pelas rodovias, os motéis, os milkshakes, os parques de diversão… é um retrato da América kitsch do pós-guerra. E, claro, uma crítica mordaz aos clichês freudianos da época.

Zuli (mexendo o café com lentidão):

É uma sátira em várias camadas. Amor romântico, moralidade, psicanálise, idealismo de vitrine… tudo desmontado com cinismo e lirismo.

Araújo:
E não esqueçamos que o livro já foi adaptado para o cinema mais de uma vez. A versão do Stanley Kubrick, de 1962, é sem dúvida a melhor. Ele conseguiu, com genialidade, sugerir tudo sem mostrar demais — exatamente como Nabokov faz com a linguagem.

O horror está nos gestos, nas entrelinhas.

Zuli:

Sim. E para mim, no fundo, Lolita não é sobre amor. É sobre a corrupção do amor.

Sobre o que acontece quando alguém usa o amor como desculpa para dominar, destruir, possuir. Uma história de como se contam mentiras lindas para justificar o indesculpável.

Araújo (apontando com a colher):
E é também sobre como a literatura pode ser perigosa. Nabokov nos mostra que a beleza da linguagem não absolve ninguém — pelo contrário, pode ser cúmplice. A questão final é essa: a linguagem pode redimir o que descreve?

Zuli (pensativo):

Acho que Lolita nos obriga a dizer não. Mas ela nos faz essa pergunta com tanta beleza que o “não” sai quase com culpa.

Araújo (erguendo a xícara):
E por isso, meu amigo, ela é uma das obras mais controversas — e mais geniais — de todos os tempos.

[Eles brindam com o café. Ao fundo, um disco de jazz dos anos 60 toca suavemente. O sol se inclina no horizonte. Nenhum dos dois tem pressa de ir embora.]

https://amzn.to/4jC9lKx

#comcomissões // SAIBA MAIS: https://amzn.to/4jC9lKx

LEIA TAMBÉM:

Um fascinante diálogo sobre Literatura Latino-Americana 

 

#publicidade #ad #comcomissões

https://amzn.to/4ly5foN

#comcomissões / SAIBA MAIS: https://amzn.to/4ly5foN

Compartilhe aqui
Siga a gente!
X: Clique aqui
Instagram: Clique aqui

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *