MAIS 10 Microcontos Inéditos de Zuli Mencordas

Primeiramente, o que é um microconto?

O microconto é uma forma narrativa extrema, que em alguns casos funciona como nitroglicerina concentrada em poucas palavras, uma espécie de granada ficcional. Às vezes em uma única frase — ele precisa sugerir um universo, provocar um desfecho, deixar no ar um silêncio que diz tudo.

Entrelinhas são TUDO no microconto: o que não se diz costuma ser tão importante quanto o que é dito.

Dois exemplos célebres definem o gênero:

– “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.” — Augusto Monterroso
– “Vende-se: sapatos de bebê, nunca usados.” — atribuído (talvez apocrifamente) a Ernest Hemingway

Ambos condensam drama, tempo, sugestão e mistério em poucas palavras — e fazem o leitor completar a história com sua própria imaginação e sensibilidade.

Você agora lerá MAIS 10 microcontos inéditos de nosso escritor residente, Zuli Mencordas. Se perdeu o post anterior, não se preocupe. Está AQUI. Boa leitura!

Começando com…

Recuperada da amnésia, Helena não gostou de quem era. Hoje corre de moto sem capacete por aí, rezando por outra pancada.

Conforme a inflação no país aumentava, os leões do circo emagreciam misteriosamente. O tratador das feras nunca mais esqueceu o sabor do salário mínimo: gosto de carne crua.

No funeral, o sorriso perpetuamente irônico de Elisa no caixão ainda irritava Osvaldo. Ele acertara na dose de veneno, mas errara na dose de complexo de inferioridade, algo que só ele carregava.

À noite, Eneida passava horas entretida com a visão magnífica dos poderosos cavalos. O que eles estavam fazendo em seu quarto era problema deles. Ela achava que “alucinação” era uma palavra pejorativa e pesada.

Casado com a mulher mais bonita da cidade, Geraldo a mantinha acorrentada no porão da casa, onde homem algum poderia alcançá-la. Foi ali que ela começou a transar com o diabo.

“Que olho lindo você tem, Renata!”, disse Euclides, suspirando. A moça não gostou: o outro era de vidro.

O monge meditava, buscando a iluminação. Principalmente depois que a luz do templo havia sido cortada por falta de pagamento.

A vida sexual do casal contemporâneo era intensa: ele assistia pornografia no tablet, ela, no celular. A sintonia era tanta que terminavam juntos. Sempre.

Trabalhou desde os 12 anos, foi arrimo de família, criou 6 filhos. Na lápide, apenas uma palavra: “Ufa!”

Como executivo, Roberval era um sucesso. Frio, falso, sem escrúpulos. Mas também tinha defeitos.