Roqueira ruiva tocando guitarra no palco Roqueira ruiva tocando guitarra no palco

Rita Lee fez de mim um homem dividido

Eu comecei pelo começo, como costuma fazer gente sensata. Ou seja, comprei “Rita Lee: uma autobiografia” e já me vi no porão de onde ela morava, no casarão de sua infância. As descrições são maravilhosas e te transportam pra onde quer que Rita vá (e ela vai pra tudo quanto é lado, tanto perambulando como qualquer um de nós, quanto na sua imaginação riquíssima).

Pra começar, ela se diz cercada de cinco mulheres “geniais”, que chama de “harém”. Seu pai, Charles, era o único homem da casa. A mulherada então era Chesa, sua mãe de origem italiana, que a cantora qualifica como “iluminada”; Balú, “sua fada madrinha”; Carú, sua irmã adotiva italiana e as duas irmãs de sangue Mary Lee e Virgínia Lee, ambas, de acordo com Rita, hilárias.

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E o tal porão? “Tinha tetos e paredes forrados com desenhos, paisagens, fotos de artistas de cinema e da música, contos de fadas, animais, santos, marcas de produtos, sobras de pano, capas de revistas, mosaicos de louças quebradas, enfim, pensávamos mil vezes antes de jogar qualquer obra de arte no lixo. Esse visual lisérgico era, claro, obra da mulherada quando ainda nem existia televisão.”

OK. Você é um leitor perspicaz (afinal, não temos leitores de outro tipo aqui no site) e já percebeu logo na PRIMEIRA PÁGINA da história, com Rita, a caçula, tomando mamadeira (sim, está na primeira linha, Baby Rita!) e já aparece a palavra “lisérgico” para mencionar um ambiente. Quanto às suas peripécias futuras (REALMENTE lisérgicas), nossa roqueira suprema não tem nada a esconder, como se verá depois. E sejamos justos: só tinha leite mesmo na mamadeira. O que tinha que ter mesmo para a pequena sossegar era música no ar. O rádio embalava a futura artista com músicas de Carmen Miranda, Emilinha Borba, Nelson Gonçalves, Doris Day, Fred Astaire e Mario Lanza. Aliás, sobre essa que destaquei ainda vou fazer um post especial. Além de cantora, ela era atriz e fazia uns filmes bem bobinhos e divertidos. Antiquados, mas bem legais. 

Doris Day: moça comportada que embalou a bebê Rita Lee.

Rita já amava animais desde cedo, o famoso porão era santuário de felinos abandonados.

Tinha principalmente uma imensa capacidade de amar GENTE o que transparece nas descrições de todo o “harém” e também do austero Charles, descendente de norte-americanos do tipo “linha dura”. Um fato curioso é que Rita Lee gosta sempre de começar dizendo qual o signo astrológico da pessoa. Eu, como sou aquariano, não acredito em nada disso (piada velha, mas não pude deixar passar).

Fotografia de Rita Lee em show no Teatro do Bourbon Country, Porto Alegre, 28 de maio de 2011; tirada por CaioWebb – https://www.flickr.com/photos/caiowebber/5773082334/

 

 

 

 

 

 

Rita Lee: nem tudo são flores psicodélicas [SPOILER]

Os capítulos são curtos, as alegrias infantis se embaralham, uma hora é cinema e dropes de anis, tem as meninas brincando de montar “showzinhos” num palquinho como Las Hermanas Sisters, as alegrias do primeiro aparelho de televisão, com a TV Tupi apresentando Cacilda Becker ao vivo e mil outras maravilhas, até que… Bom, até que – já nem sei se estou seguindo a ordem cronológica das coisas – há um capítulo pesadíssimo no qual a pequena Rita é vítima de abuso por parte de um técnico que havia ido fazer um reparo em sua casa. É triste, é horrível, é uma paulada. Foi nessa hora que parei de ler e fui espairecer na internet… foi quando… surpresa! Descobri OUTRO LIVRO da Rita Lee!

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 Antes de mais nada, em “Dropz”, a continuação literária de sua autobiografia, Rita Lee nos presenteia com uma coletânea de contos que são como pílulas efervescentes de criatividade. Textos leves e ágeis, que em outra época poderiam muito bem se transformar em canções memoráveis da Rainha do Rock.

Nesses 61 contos ligeiros, a autora nos convida a um universo onde o real se mistura ao surreal, e o humor ácido enseja reflexões profundas sobre a vida, a morte e a sociedade. Com uma escrita versátil e inconfundível, Rita nos transporta por paisagens narrativas diversas, ora tropicalistas, ora satíricas, sempre marcadas por uma ironia aguçada e uma sensibilidade… bom, um sensibilidade “Rita Lee”, não tem como explicar! 

A voz dos bichos 

A autora brinca sobretudo com a linguagem, criando personagens excêntricos e memoráveis, como a MulherCortina, La Cantante e o Implicâncio, que povoam um mundo imaginário repleto de absurdos e encantos.

Em síntese, em “Dropz”, Rita Lee demonstra maestria em transformar o cotidiano em poesia e a literatura em um espaço de experimentação e liberdade. Além disso, é claro que inclui nisso tudo verdadeiros manifestos em prol dos animais (afinal, eles não podem escrever seus próprios livros, né?). Acima de tudo, essa é mais uma faceta de sua luta contra o que chama de “bobalização” do mundo – aliás, diga-se de passagem, uma excelente sacada. 

Dois livros de Rita Lee na fila pra ler. E agora, como é que fico?

Ora, eu vou ler todos, claro! Inclusive a segundo autobiografia, na qual ela relata com coragem a luta contra o câncer que a levou em 2023, aos 75 anos, certamente vividos em toda sua plenitude. Certamente um testemunho de resiliência e amor à vida para todos nós. 

Rita Lee passou seus últimos dias de vida com o marido e demais familiares. SAIBA MAIS: 

E já estou aqui tirando a poeira dos meus vinis antigos de Rita Lee e Roberto de Carvalho, parceria incrível que deu certo na arte e no casamento. 

Em conclusão, só nos resta a gratidão imensa pelo seu legado de coragem, honestidade consigo mesma, respeito para com o público e criatividade que gerou mais do que hits, mas a trilha sonora de momentos inesquecíveis de toda uma geração. 

Muito obrigado, Rita Lee!

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OUÇA TAMBÉM: A melancolia sutil de Martina Topley-Bird

Ou LEIA sobre “É assim que acaba” – uma aula de resiliência e superação

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