Uma Vida Pequena, de Hanya Yanagihara

Tarde da noite, com a casa adormecida e só o som distante dos carros pela janela, fechei Uma Vida Pequena com as mãos trêmulas e o coração espremido. Havia algo de irreversível naquele gesto — como se eu tivesse vivido, e não apenas lido, as quase 800 páginas que compõem o romance de Hanya Yanagihara.

Não consigo lembrar a última vez em que um livro me causou esse tipo de luto silencioso. Talvez seja essa a palavra mais justa: luto.

Quatro amigos: JB, Malcolm, Willem e Jude. Começamos com a promessa da juventude universitária em Massachusetts e seguimos com eles até Nova York, ao longo de décadas, como quem acompanha o lento desabrochar e o precoce apodrecimento de uma flor frágil. JB, artista visual de personalidade intensa; Malcolm, o arquiteto em busca de si; Willem, ator e presença luminosa; e Jude — ah, Jude — figura central e espectral, o “Pós-Homem”, como JB o define com sarcasmo afetuoso.

Pós-identidade, pós-passado, pós-racial, pós-sexual. Um enigma em forma de corpo.

É sobre ele, afinal, que o romance lentamente afunila. A estrutura narrativa, quase cinematográfica, nos leva primeiro por uma paisagem ampla e depois nos obriga a fixar os olhos nas feridas expostas de Jude. Sua história de abusos, rejeição, dor física e emocional vai se revelando em camadas, como um strip-tease do sofrimento — crítica feita por Daniel Mendelsohn, que chamou o livro de “sádico” e “desonesto”.

Entendo a acusação. A dor, aqui, é crua, reiterada, por vezes insuportável. Mas não me parece gratuita. Ao contrário, parece necessária.

Como futura escritora — ou ao menos uma aspirante esperançosa — não posso deixar de admirar a ousadia técnica de Yanagihara. Ela não nos oferece consolo fácil, não nos conduz por um arco clássico de superação e redenção. Jude, talvez, nem queira ser salvo. Talvez nem acredite que possa. A autora nos obriga a encarar a pergunta: o que é, de fato, uma vida que vale a pena?

E se a felicidade não for um direito, mas uma construção artificial, imposta como obrigação moral?

A capa, aliás, é uma chave de leitura por si só: um close de um homem em êxtase — ou seria agonia? O retrato de Peter Hujar, embora talvez mostre prazer intenso, nos obriga a repensar o que é prazer, o que é dor, e onde um se confunde com o outro. Isso me perseguiu durante a leitura: o prazer do texto, sua beleza formal, em confronto com a violência que ele narra. Eu continuei lendo, mesmo quando doía. E doía.

E que beleza há, apesar de tudo.

A prosa é direta, sem adornos desnecessários, e mesmo assim poética.

As referências artísticas, os retratos da vida universitária norte-americana, a crítica social sutil mas contundente — tudo me soou incrivelmente moderno, lúcido, urgente.

Uma Vida Pequena parece, por vezes, querer desmontar a própria ideia de romance, de personagem, de final feliz.

Sim, o final pode parecer previsível. Mas isso não é falha — é estrutura de conto de fadas invertido. O “felizes para sempre” existe apenas como fantasma, como esperança obstinada do leitor que se recusa a abandonar a crença de que o amor e a amizade bastam. Willem e Jude, especialmente, permanecem em mim como figuras trágicas de ternura incondicional.

Por fim, não creio que a abjeção, como apontou Mendelsohn, seja o tema do livro. Para mim, Uma Vida Pequena fala da persistência da afeição em um mundo em que a dor não cessa. E isso é profundamente político.

Dizer que uma vida marcada por sofrimento ainda pode ter dignidade é o gesto mais radical que a literatura pode oferecer hoje.

Se aprendi algo com Jude, é que mesmo uma vida pequena — marcada por limitações, cicatrizes e silêncios — pode ser imensa na sua capacidade de tocar os outros. E eu, que quero escrever, sei que esse é o tipo de impacto que gostaria um dia de provocar.

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