Três poemas de Augusto dos Anjos que não são “fofinhos”

Augusto dos Anjos (1884-1914) foi um poeta extraordinário cuja originalidade confundiu até mesmo os estudiosos de literatura. Para alguns, simbolista ou mesmo parnasiano. Para Ferreira Gullar, um “pré-modernista”.

O certo é que ele já compunha os primeiros versos aos sete anos de idade. Já homem feito, formou-se em Direito.

Sua vasta gama de influências, somada a uma originalidade inata só poderiam resultar numa voz inigualável na poesia. Alguns exemplos de obras que contribuíram para moldar seu estilo único incluem Herbert Spencer, com quem teria aprendido a incapacidade de se conhecer a verdadeira essência das coisas.

Ao ler Ernst Haeckel, dos Anjos concluiu que a morte e a vida são um puro fato químico.

Além disso, ao debruçar-se sobre a obra de Arthur Schopenhauer, nosso poeta teria percebido que o aniquilamento da vontade própria seria a única solução filosófica possível para o ser humano. E da Bíblia, da qual também não contestava a essência espiritual, fazia uso como contraposição direta a tudo que fosse iluminista e/ou materialista em sua época.

Parece uma salada confusa de ideias? Pode até parecer, por inaptidão deste redator. Mas não é este o resultado final do labor deste mestre que nos deixou muito precocemente, com apenas 30 anos, vítima de uma pneumonia.

Confira a seguir três de seus poemas publicados quando ainda vivia, na obra “Eu”, que originalmente continha 56 preciosidades às quais postumamente foram acrescentados mais 46 poemas.

Certamente o leitor atento notará o uso de palavras pouco comuns, algumas de cunho “cientificista”, além de uma morbidez de visão de mundo que parecia até vir de alguém que sabia que viveria pouco… (dizem – está na Wikipédia – que Augusto dos Anjos chegou até a psicografar versos alheios). Mas isso tudo é incerto, são divagações. Vamos aos poemas, seu grande legado. Eles estão aí, inexplicavelmente bons!

O MORCEGO de Augusto dos Anjos 

“O morcego” – Augusto dos Anjos

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede…”
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

“Psicologia de um vencido” – Augusto dos Anjos

PSICOLOGIA DE UM VENCIDO de Augusto dos Anjos 

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

“Versos a um cão” – Augusto dos Anjos

VERSOS A UM CÃO de Augusto dos Anjos


Que força pôde adstrita e embriões informes,
Tua garganta estúpida arrancar
Do segredo da célula ovular
Para latir nas solidões enormes?


Esta obnóxia inconsciência, em que tu dormes,
Suficientíssima é, para provar
A incógnita alma, avoenga e elementar
Dos teus antepassados vermiformes.


Cão! — Alma do inferior rapsodo errante!
Resigna-a, ampara-a, arrima-a, afaga-a, acode-a
A escala dos latidos ancestrais…


E irás assim, pelos séculos adiante,
Latindo a esquisitíssima prosódia
Da angústia hereditária dos teus pais!

Augusto dos Anjos

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LEIA UM POEMA DE RAINER MARIA RILKE AQUI

*textos de domínio público 

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