Clarice Lispector: “não se trata de literatura, mas de bruxaria”

Clarice Lispector
Clarice Lispector (1920-1977)

Antes de tudo, sabemos que Clarice Lispector é uma figura icônica da literatura brasileira, reconhecida pelo seu estilo inovador e pela profundidade de suas obras. A escritora nasceu na Ucrânia e mais tarde se naturalizou brasileira, tendo morado em diversos outros países.

Lispector deixou um legado duradouro através de sua escrita única e perspicaz. E que obviamente vai muito além das “frases de Clarice Lispector” (nem sempre autênticas) que circulam pelas redes sociais. Mas afinal, por que a autora é tão importante para a literatura brasileira?

Primeiramente, Clarice Lispector conseguiu capturar a essência da alma humana em suas narrativas. Suas histórias exploram temas universais como identidade, solidão e existencialismo, tocando os leitores de forma profunda e emocional, mas longe do sentimentalismo. Além disso, sua prosa fluida e cuidadosamente construída cativa os leitores desde a primeira frase. E é exatamente essa habilidade singular que seu amigo, o também escritor Otto Lara Resende, qualificou como “bruxaria”. 

Clarice Lispector: estilo personalíssimo, inovação ininterrupta  

Outro aspecto marcante na obra de Clarice Lispector é principalmente sua busca constante por uma linguagem literária inovadora. Ela desafiou constantemente as convenções literárias da época, introduzindo técnicas narrativas experimentais e explorando o fluxo de consciência. Sua escrita é repleta de metáforas bem como reflexões introspectivas que encantam e instigam os leitores.

Por fim, a importância de Clarice Lispector para a literatura se deve ao fato de suas obras transcenderem fronteiras e terem se tornado universais. Atualmente, seus textos são lidos e admirados em todo o mundo, servindo como inspiração para escritores e leitores de diversas culturas.

Enfim, sua contribuição para a literatura é inegável e seu legado perdura até os dias de hoje.

O estilo único de escrita de Clarice Lispector

Primeiramente, o estilo de escrita de Clarice Lispector é marcado por uma linguagem poética, introspectiva e filosófica. Logo, sua prosa pode ser comparada a um verdadeiro “submarino” que consegue alcançar a essência dos sentimentos e pensamentos mais profundos do ser humano. 

Sobretudo Clarice Lispector tinha uma habilidade única de descrever as nuances da vida, explorando temas como a busca pelo sentido, a solidão e a complexidade das relações interpessoais. Enfim, ela utilizava metáforas e imagens vívidas para transmitir emoções e pensamentos de forma intensa e visceral.

Além disso, Clarice Lispector experimentava constantemente com a forma literária. Confira neste exemplo destacado pelo crítico literário do The New York Times, Terrence Rafferty:

“Coerência, não quero mais isso”, pensa uma personagem em um de seus contos. “Coerência é mutilação. Eu quero desordem.” Essa personagem, uma mulher de 37 anos em melancólica fuga de seu marido ou amante, tem também esta revelação: “Era mentira dizer que só se podia ter um pensamento por vez: Ela tinha muitos pensamentos que se cruzavam e eram múltiplos.”

Esse estilo personalíssimo de escrita de Clarice Lispector arrasta os leitores para dentro de seu universo emocional desde a primeira frase. Por isso sua prosa envolvente e sua abordagem profunda dos temas universais fazem com que seus livros sejam considerados inegavelmente verdadeiras obras de arte literária.

Temas recorrentes na obra de Clarice Lispector

A obra de Clarice Lispector sempre aborda uma variedade de temas universais que continuam relevantes até os dias de hoje. Alguns dos temas recorrentes em sua escrita incluem:

  1. Identidade: A natureza da identidade humana, questionando as definições preestabelecidas e a busca por uma identidade autêntica.
  2. Solidão: Outro tema recorrente na obra de Clarice Lispector. Ela retrata a solidão como uma experiência universal e explora as diferentes formas como as pessoas lidam com ela. 
  3. Existencialismo: Clarice Lispector mergulha nas questões existenciais, explorando o sentido da vida, a morte e a busca por significado.
  4. Feminismo: A autora foi uma das pioneiras na abordagem feminista na literatura brasileira. Ela explorou questões relacionadas à condição da mulher na sociedade e aos desafios enfrentados por elas. Impossível não mencionar a inesquecível Macabéa, protagonista de “A hora da estrela”. [Mas sem spoilers!]

Esses temas se entrelaçam ao longo da obra de Lispector, criando uma narrativa rica e complexa que convida o leitor a refletir sobre a condição humana.

Influências e legado de Clarice Lispector

A escrita de Clarice Lispector foi inspirada por uma variedade de correntes literárias e filosóficas. A autora foi profundamente influenciada pelo modernismo brasileiro, mas seu primeiro romance, “Perto do Coração Selvagem”, de 1943, teve, no entanto, seu título retirado de uma passagem do livro Retrato do Artista Quando Jovem, de James Joyce. Além disso, Lispector também teve contato com o surrealismo e o existencialismo, movimentos que deixaram marcas claras em sua obra.

Em suma, em virtude de sua vasta cultura e de seu próprio talento, o legado de Lispector na literatura brasileira é imenso. Sua escrita inovadora e provocativa abriu caminho para uma nova geração de escritores experimentais e desafiadores. Ela também influenciou escritoras brasileiras contemporâneas, que encontraram em sua obra um exemplo de como abordar questões femininas e existenciais de forma autêntica.

Primordialmente, Clarice Lispector deixou um legado duradouro na literatura mundial. Seus livros são lidos e estudados em todo o mundo, sendo objeto de análises acadêmicas e inspirando escritores de diversas nacionalidades. Em outras palavras, sua escrita transcendeu fronteiras culturais e linguísticas, tornando-se uma voz universal na literatura.

A recepção crítica da obra de Clarice Lispector

Em primeiro lugar, a obra de Clarice Lispector foi recebida de maneira bastante positiva pela crítica literária, tanto no Brasil quanto no exterior. Assim, desde o lançamento de seu primeiro romance, “Perto do Coração Selvagem”, Lispector foi reconhecida como uma voz singular na literatura brasileira.

Da mesma forma, a crítica elogiou sua linguagem poética, sua abordagem inovadora da narrativa e a profundidade de suas reflexões. Muitos críticos destacaram de antemão a originalidade de sua escrita e a forma como ela explorava as complexidades da existência humana.

Clarice Lispector: ninguém está livre das controvérsias 

No entanto, também houve quem apontasse defeitos na obra de Lispector, especialmente em relação à sua abordagem experimental e à aparente falta de linearidade em suas narrativas. Aliás, alguns leitores consideraram suas obras difíceis de compreender e interpretar, o que gerou debates sobre o valor estético de sua escrita.

Apesar das críticas, o trabalho de Clarice Lispector continuou a ganhar reconhecimento ao longo dos anos, consolidando sua posição como uma das grandes escritoras do século XX.

Obras de outros escritores influenciados por Clarice Lispector

A obra de Clarice Lispector teve um impacto significativo na literatura brasileira e inspirou muitos escritores a explorarem temas semelhantes em suas próprias obras. Alguns dos escritores influenciados por Lispector incluem principalmente, mas não exclusivamente: 

  1. Hilda Hilst: Considerada uma das mais importantes escritoras brasileiras do século XX, Hilda Hilst foi profundamente influenciada por Clarice Lispector. Sua escrita experimental e introspectiva reflete o impacto da obra de Lispector em seu trabalho.
  2. Adriana Lisboa: A escritora carioca Adriana Lisboa também foi influenciada por Clarice Lispector. Sua escrita poética e sensível aborda temas como identidade, memória e solidão, seguindo os passos de Lispector.
  3. Ana Martins Marques: A poesia de Ana Martins Marques tem sido comparada à escrita de Clarice Lispector. Suas obras exploram a subjetividade humana e as complexidades do mundo interior, com uma abordagem semelhante.

Clarice Lispector pelo mundo

A obra de Clarice Lispector recebeu mais de 200 traduções, alcançando mais de 10 idiomas, sendo mais de 179 traduções integrais de livros. Além disso, a autora teve 25 contos publicados em periódicos. Seus livros mais traduzidos são principalmente romances: A Hora da Estrela, que conta com 22 traduções; A Paixão segundo G. H., que também foi traduzido 22 vezes. Perto do Coração Selvagem, teve 18 traduções, Laços de Família, teve 16; e Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, chegou a 15 traduções.

As traduções foram iniciadas logo depois do início de sua carreira literária e foram bem acolhidas pela crítica especializada. Os idiomas com mais traduções foram o espanhol, o inglês e o francês.

Também houve traduções para o alemão, o tcheco (“Perto do coração selvagem”) e uma lista longa demais que não reproduziremos aqui para não cansar o leitor. Os leitores mais curiosos, no entanto, podem achar tudo isso com facilidade na internet.

Logo após a morte de Clarice Lispector, sua obra popularizou-se cada vez mais, com destaque para a série publicada por Bejamin Moser para a editora britânica Penguin Books na década de 2010. Seu objetivo era oferecer ao público leitor traduções mais fieis que as anteriores. Isso foi necessário porque anteriormente alguns tradutores cometeram o “pecado” de tentar “corrigir” certas características da escrita única da autora.

Quer saber mais sobre Clarice em diversos idiomas? Sua obra vive! Um Google de poucos segundos comprova isso. 

Ou veja agora mesmo algumas capas…

Clarice Lispector em alemão.
A autora em alemão.

Clarice Lispector em francês.

Traduzida para o francês.

Clarice Lispector em espanhol.
Acima, sua versão em espanhol.
Clarice Lispector em inglês.
Clarice Lispector em inglês.

BÔNUS – FRASES DE CLARICE LISPECTOR

Antes de tudo, todos sabemos que vivemos em tempos estranhos, cheios de FAKE NEWS e citações falsas na internet. Por isso, resolvemos ir direto à fonte, ou seja, aos livros da “maga” para trazer algumas de suas melhores frases para você. Esses encantos poderosos podem tanto servir parar tornar um bate papo mais interessante quanto para fomentar profundos debates. Cabe a você fazer a poção mágica que mais lhe agrade. Afinal, os ingredientes já estão aí, os autênticos feitiços, direto do caldeirão literário de Clarice Lispector!

“Sou cada pedaço infernal de mim.” — A Paixão segundo G. H., 1964.

“O que me atrapalha a vida é escrever.” — A Hora da Estrela, 1977.

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“A loucura é vizinha da mais cruel sensatez.” — Aprendendo a Viver”, 2004 (seleção de crônicas publicadas entre 1967 e 1973).

“Escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida.” — Um Sopro de Vida, 1970.23 — “A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crúcis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela.” — A Paixão Segundo G. H., 1964.

Clarice Lispector a paixão segundo G.H.
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“Eu sei morrer. Morri desde pequena. E dói, mas a gente finge que não dói. Estou com tanta saudade de Deus.” — Para não esquecer, 1981.

“Não muda nada. Escrevo sem esperança de que alguma coisa que eu escreva possa mudar o que quer que seja. Não muda nada.” — Entrevista ao programa Panorama, 1977

“Nós, os artistas do grande negócio, sabemos que a obra de arte não nos entende. E que viver é missão suicida.” — A Legião Estrangeira, 1964

“A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crúcis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela.” — A Paixão Segundo G. H., 1964.

“— Eu me doo o tempo todo.
— Aonde?
— Dentro, não sei explicar.” — A Hora da Estrela, 1977

“Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?” — A Hora da Estrela, 1977.

“Acho que não preciso vencer na vida.” — A Hora da Estrela, 1977.

Assinatura de Clarice Lispector

Assinatura de Clarice Lispector

E para concluir, algumas palavras adicionais do crítico Terrence Rafferty:

“Há um sopro de loucura na ficção de Clarice Lispector”.

E em seguida:

“Frase por frase, página por página, Lispector é divertidamente e cativantemente estranha, mas as percepções dela surgem tão rápido e desviam tão selvagemente entre o mundano e o metafísico, que depois de um tempo você não sabe mais onde você estão, tanto no livro como no mundo fora dele”, disse o crítico em 2015.

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A seguir: 

Carlos Drummond de Andrade fala mal de Machado de Assis (mas se arrepende) 

Quer mais Lispector? Leia ESTE artigo até o fim!

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